30 Mai 2023
Um convite a se questionar “seriamente sobre os problemas colocados pela distância entre as indicações do magistério da Igreja sobre a geração da vida e a vivência cotidiana da sociedade em geral, mas também dos próprios católicos". É a que ressoou ontem, na mensagem que o cardeal Matteo Zuppi, apresentou na conferência sobre a Humanae vitae de Paulo VI, organizada pela Cátedra Internacional de Bioética Jérôme Lejeune. Até porque, acrescentou o presidente da CEI, “não devemos favorecer a lógica estéril dos alinhamentos, fácil e indevidamente amplificada pelos órgãos de imprensa".
A reportagem é de Mimmo Muolo, publicada por Avvenire, 25-05-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
A famosa encíclica do Papa Montini causou discussão desde o momento de sua publicação, 55 anos atrás. Mas tem se mostrado de ampla visão, como repetidamente reiterou também o Papa Francisco. Segundo o Cardeal Luis Francisco Ladaria Ferrer, prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé, aquele documento foi capaz de unir a liberdade com a natureza. De fato, comentando o título da conferência organizada pelo Agostinianum em Roma (“A audácia de uma encíclica sobre a sexualidade e a procriação"), o cardeal destacou que a audácia do que escreveu Paulo VI "é muito mais profunda" em comparação com a simples resistência aos que pediam para "aprovar o uso de anticoncepcionais hormonais nas relações sexuais dentro do casamento católico". A coragem da Humanae vitae, na opinião de Ladaria, é de "caráter antropológico" porque mostrou a vocação divina da sexualidade, ou seja, "a conexão inseparável" que Deus quis entre o significado unitivo e o procriativo do ato conjugal.
Os acontecimentos posteriores mostraram até que ponto São Paulo VI tivesse visto longe.
A moral contraceptiva que se afirmou em contraste com a encíclica coloca em oposição a natureza, o próprio corpo, com um conceito de liberdade que pretende mudar as “condições de vida do amor conjugal". Segundo essa visão, explicou o cardeal, o ato sexual é considerado como absolutamente livre e o corpo é "reduzido a pura materialidade". O que depois abriu caminho a uma série de derivas ao longo do tempo, em particular a uma “diminuição alarmante dos nascimentos e uma multiplicação do número de abortos".
Em outras palavras, o controle dos nascimentos com o uso de anticoncepcionais, ao evoluir, levou à transmissão da vida, por meio de técnicas de reprodução assistida. Primeiro foi aceita a sexualidade sem filhos, depois foi aceito gerar filhos sem o ato sexual. Portanto, observou Ladaria, a própria vida foi reduzida de dom a produto. Por isso a encíclica permanece profética ainda hoje, para contrariar os "verdadeiros anti-humanismos", presentes tanto na ideologia de gênero – em que não é o corpo que identifica uma pessoa, mas sua orientação – tanto no “transumanismo”, em que a pessoa sendo “reduzida à sua mente” pode transferir a sua essência “para outro corpo humano, para um corpo animal, para um ciborgue, para um simples arquivo de memória".
Na prática, dessa antropologia, insistiu o Cardeal Ladaria, “o ciborgue aparece como a plena realização”, uma vez que aceita a “construção do corpo e do sexo através da biotecnologia”, um mundo, em poucas palavras, "sem maternidade" e, portanto, "pós-humano".
Em vez disso, como recordou Zuppi, “no mistério da geração está em jogo a concepção constitutivamente filial do ser humano, que se encontra na vida recebendo-se no próprio corpo por iniciativa de outros”.
Também para monsenhor Vincenzo Paglia, a mensagem e o valor da Encíclica estão no "reconhecimento da conexão inseparável entre amor conjugal e geração". Em uma entrevista ao Vatican News, o presidente da Pontifícia Academia para a Vida convida a continuar a reflexão teológica sobre as questões levantadas pelo documento e também a colocar a leitura de seu texto no horizonte mais amplo do magistério do Papa Francisco. “Na década de 1960 – afirma o arcebispo – a ‘pílula’ parecia o mal absoluto. Hoje temos desafios ainda maiores: a vida de toda a humanidade está em risco se a espiral dos conflitos e das armas não for interrompida, se a destruição do meio ambiente não for detida.
Gostaria que houvesse uma leitura que integrasse a Humanae vitae com as encíclicas do Papa Francisco (e de João Paulo II) e com a Amoris laetitia, para abrir uma nova época de humanismo integral. Abandonando assim as leituras parciais. Hoje, de fato, conclui Paglia, o desafio da continuação, proteção, desenvolvimento da vida humana deve ser colocado de forma transversal, como nos ensinam a Laudato si' e a Fratelli tutti".
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Cardeal Zuppi: “A coragem da Humanae vitae”. Um texto que convida a nos questionarmos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU